O MAL AINDA NÃO FOI VENCIDO

Foto: Divulga��o

No livro dos autores Levistsky e Ziblatt: Como as Democracias Morrem, eles vaticina que nunca em todos os tempos os valores democráticos, foi tão solapada em seus princípios por arrivistas que chegaram ao poder e fizeram uso dela para justamente tentar impor seus valores e ideias em contrapartida ao convívio dos contrários.

 

A chegada de Trump a Casa Branca é a glorificação de valores antípodas da democracia em seu estado bruto, digo isto no sentido mais ampla da palavra. Chegou a presidência no processo eleitoral previamente conhecido e reconhecido, apesar de ter tido menos votos populares que a sua concorrente Hilary Clinton. E uma vez instalado no salão oval, passou a praticar e destruir aquilo que é mais sagrado para os americanos: o respeito a liturgia do cargo que ocupa e os valores da democracia defendidos pelos “The fouding fathers”. Defendeu politicas nacionalistas e populistas a pretexto de fazer uma América maior. Para tanto não mediu esforços para impor retaliações a órgãos internacionais multilaterais, a exemplo da OMS, se opor a acordos tais como o de Paris de preservação ao meio ambiente, negar a pandemia e com isto anabolizar a xenofobia contra os chineses segundado por outros motivos também contra os latinos. Enfim, Trump atendia aquele grupo de eleitores americanos que sempre ficaram alijados do processo político, uma vez que defendiam o fundamentalismo religiosos, nacionalismo bocó e ojeriza ao imigrante, seja ele legal ou ilegal, chamado equivocadamente pelos cientistas políticos de botequim, de ala conservadora da população. Este eleitorado sentiu na pele os efeitos da internacionalização da economia, pois perderam empregos e os benefícios sociais a ele atrelado. Com estes ingredientes, estava formado o bolo solado para a ascensão extremista americana, tendo Donald Trump seu vocalizador.

 

Focado neste grupo ressentido de eleitores, as palavras de defender e trazer os empregos americanos, perdidos pela debandada das empresas para locais onde a mão de obra é mais barata, soaram como um mantra salvacionista. Indiferente aos pilares da democracia, Trump agia livre para consolidar o seu projeto político. Sem freios, se utilizou das redes sociais para praticar o esporte favorito de um outsider extremista: a mentira. Via a oposição ou aqueles que se contrapunha a suas ideias como o inimigo a ser eliminado, nem que para isto pusesse em dúvida a honra alheia. Via na imprensa como um todo, agentes conspiratórios a serviço dos interesses internacionais (qualquer semelhança com um país ao sul do Rio Grande não é mera coincidência).

 

Os mais apressados diriam que no governo Trump, a economia cresceu e o endividamento público recrudesceu. Parecia enfim que o american way life ressuscitaria com força. Esquecem os adoradores do bezerro dourado, no caso americano, laranja, este crescimento já se sustentava desde a segunda metade do governo Obama. Mas capitalizar as vitórias alheias para si, faz parte da demagogia política e Trump faz isto com maestria.

 

O trumpismo não chegou a influenciar outras plagas internacionais, afinal ele era a personificação final e mal acabado que já se vinha desenhado em outros recantos do mundo. O tripé do extremismo político, o fundamentalismo religioso e o nacionalismo encontraram na Polônia e na Hungria espaço e apreço daquelas camadas cansadas da social democracia, que os fizeram reféns de uma economia global e não enxergavam nos políticos ditos tradicionais, a sua identidade nacional. Por serem periféricos, pouco soaram no mundo suas escolhas eleitorais. Ainda na Europa, a Itália flertou com estes valores, mas lá troca-se primeiro ministro como se escolhe uma pizza na cantina, portanto, ainda não dá para saber se será duradouro a política extremista, mesmo que ela seja mais soft do que as ditas Hungria e a Polônia. No tabuleiro de war do século XXI, sem navios e submarinos para derrubar, mas munido de ideologias, surge na Inglaterra através de Boris Johnson, uma aproximação política com presidente americano. Semelhantes no mau gosto da arrumação capilar, o inglês não foi seduzido completamente pelo discurso do presidente americano. Sabe que seu governo parlamentarista não lhe assegura vencer o mandato, e tentativa de solapar a ordem democrática a título de defender os valores extremistas trumpiana poderia afastá-lo da Downing Street. Pragmatismo é a essência da política inglesa. As coisas por lá ficam assim: Apoio os EUA, mas não compro o carro usado de Trump, pode vir com o chassi adulterado.

 

 

E o Brasil? Como fica? O presidente Bolsonaro viu em Donald Trump o santo graal de suas convicções. O americano era o farol que precisava a ser seguido, mesmo sabendo que seria jogado as pedras, ao primeiro sinal de prejuízo aos interesses dos irmãos do norte. Não bastava apenas se alinhar ao presidente americano. Era preciso dar um lustro intelectual na adesão. O presidente brasileiro viu no pensa dor (como diria Millôr Fernandes) da Pensilvânia, o guru teórico do obscurantismo escatológico que vê conspiração comunista até no assovio de um cardeal, afinal a ave é vermelha, a chave ideológica de aproximação com o extremismo americano. Para isto juntou ao seu redor uma plêiade de sub intelectuais que estavam escondidos nas catacumbas da insignificância, e que foram treinados pelo guru dos palavrões e moto contínuo passaram a assentar na elite administrativa do Planalto. Doutrinados com coisas do tipo: globalismo, banqueiro comunista, no caso George Soros, música do Beatles feito pela KGB russa, vírus chinês, marxismo cultural e agente russo escondido embaixo da cama, estes obscurantistas encontraram em boa parte da classe média brasileira leitora apenas de livro de autoajuda, o caminho para difusão de suas idiossincrasias delirantes. O desastre do PT ajudou e muito este estado de coisa.

 

A luz laranja do farol trompista se apagou. Resta saber se as naus que o seguiam irão naufragar, ou vão jogar suas âncoras em definitivo num porto qualquer. Mas não se iludam. O trumpismo não arrefeceu. Sua força ainda vai perdurar por um bom tempo. Seja aqui, seja na América.

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