O HOMEM MÉDIO

Foto: Divulgação

Atingimos na última semana o assombroso número de 250 mil vítimas pela Covid 19. Encerramos o mês de fevereiro com boa parte do sistema de saúde do Brasil à beira do colapso. Muitos governadores decretaram lockdown em seus respectivos estados. No nível em que está, chegaremos antes do fim de março a 300 mil vítimas.

 

Por sua vez, nunca vivemos num mundo tão avançado tecnologicamente e tivemos acesso a uma vida tão cheia de facilidades, à disposição de um click. Por sua vez, no controle disto tudo está o homem. A pandemia mostrou que quando a civilização está em choque, o engenho humano consegue resolver seus maiores desafios. Nunca se viu o desenvolvimento de uma vacina em tão pouco espaço de tempo. E nunca se viu um leque tão grande de imunizantes serem produzidos e com grau de eficácia enorme.

 

A despeito disto tudo temos no mundo a figura do homem médio. Mas quem é este ser que domina a humanidade? O homem médio é aquele que tem profissão, trabalha, muitos têm até curso superior. Tem também acesso a diversos bens de consumo, independentemente de sua condição financeira. Consome informações da internet, mas é pouco afeito a leituras de livros que exigem maior atenção. Se sente muito bem informado apenas com aquilo que lhe passam nas redes sociais e acredita piamente naquilo que se adequa a sua visão das coisas e do mundo. Ele também tem líder. Geralmente escolhe por aquele que vocaliza suas impressões e externa suas ideais que ficaram escondidas no mofo de suas consciências. Tem resposta para tudo. Afinal a internet tem sempre a palavra final.

 

O homem médio somente se aconselha como outro homem médio. Entre eles o discurso está sempre em sintonia. Divergem apenas no time de futebol ou no programa de televisão feminino, pois quando falo do homem médio abranjo as mulheres. Aqueles que discordam de suas posições são reacionários, ou quem sabe, incultos porque não acreditam em suas ideias. O homem médio nos poucos livros que lê, não acredita no que está escrito. Ele acha que os livros mentem.

 

O homem médio acredita que todos os políticos e juízes são corruptos. Mas não se envergonha de oferecer uma cervejinha quando fiscalizado pelas autoridades. O homem médio acha que o universo sempre conspira contra ele, principalmente quando não acha explicação para aquilo que não entende, ou de um fato qualquer que mude sua trajetória de vida e traz algum contratempo na sua rotina. O homem médio acha que o mundo se resume a sua pessoa, no máximo a sua família, portanto ele se basta.

 

O homem médio não acredita na imprensa profissional. Ela conspira contra o seu líder e só noticia mentira. O homem médio não lê os jornais, somente as manchetes, textos longos lhe causam preguiça. E mesmo sem ler, a imprensa é conspiratória. O homem médio, sim viaja. Quando tem dinheiro, vai a Paris comprar perfume, na Itália para comer massas, a Portugal comer bacalhau e ir a Miami comprar quinquilharia. Museus, só nos intervalos. Admira a escultura de Davi, com quase três metros e completamente nu, mas se uma novela mostra um beijo entre pessoas do mesmo sexo, o canal de televisão é um lixo, deveria sair do ar, estão deseducando nossos jovens. O homem médio nunca leu Decameron, escrito no século XIV e acha Jorge Amado pornográfico, mesmo sem nunca ter lido nada dele.

 

O líder político do homem médio geralmente é autoritário. Acredita que o passado sempre foi melhor que os dias presentes. O líder político do homem médio tem que mostrar que é hetero, viril e que antes dele todos os políticos eram corruptos e não prestavam. O homem médio sempre acredita no seu líder político, mesmo quando ele diz barbaridades. Quando a barbaridade é imensa, relativiza suas falas quando não as acha engraçadas e que seu jeito é assim. Afinal ele é o líder.

 

A pandemia tirou das cavernas o homem médio. Ele passou a acreditar em crendices farmacêuticas e em remédio que não curam nada, como solução contra o vírus que assola o mundo. Outros homens médios passaram a indicar práticas médicas e remédios sem amparo científico para combater aquilo que eles chamam de vírus chinês. O homem médio não acredita na ciência, só acredita no médico homem médio, que não são cientistas. O homem médio usa as redes sociais para divulgar tratamentos preventivos contra a doença viral, não para disseminar uma possibilidade de cura, que na verdade não tem, mas para divulgar o seu pensamento ideológico e assim conquistar mais homens médios e mostrar que ele está certo e a ciência não importa. O homem médio acredita em teoria da conspiração, em especial nestes tempos pandêmicos. Ele precisa disso para continuar disseminando sua ideologia, pois, ele se acha liberal e conservador. Quando na verdade seu liberalismo é da década de 40 e ser conservador é não ser comunista. Homem médio não decide, manda. O homem médio está sempre certo, errados são os outros.

 

O homem médio, assim como um personagem do livro Pentagruel de Rabelais, tendo um pouco mais de lustro que seus iguais, em seus discursos citam uma enormidade de autores para passar a imagem de culto, sem nunca ter lido os livros que cita, mas para os outros homens médios é um grande intelectual, mesmo que sua fala não signifique nada e não acrescenta nada. Homem médio aplaude aqueles que leram um pouco mais de dois livros em toda a sua vida. O homem médio não sabe diferenciar um intelectual ou cientista de um charlatão. Um ou outro para ele tem que comungar com suas convicções para ter sua admiração.

 

O homem médio não vai gostar e entender do que escrevi neste texto. Afinal ele é um homem médio.

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